2021
Solo show at Galeria Marília Razuk - São Paulo, Brasil
Exhibiting period: May 27 to July 24, 2021
Text by Kiki Mazzucchelli
Água-viva ( jellyfish), Alexandre Wagner’s first exhibition at Galeria Marília Razuk, brings together a set of paintings that, at first, can be perceived as contemporary developments of one of the most recognized genres within the pictorial tradition: the landscape. Even though it is possible to identify a theme in the scenes of dirt roads, skylines and woodlands presented here, this more immediate take would set the work within the key of a certain atavistic romanticism, which, as I see it, takes the focus out of other aspects that seem to be more determining factors in the work.
The way the paint is diluted and applied, the different applications and intensities found in one single pictorial field, the chromatic palette which plays with the contrasts between light and shadow; all of this attests to the importance given by the artist to the actual creation of the painting, putting in the background a bigger commitment to illusionism or representation. In other words, the landscape works as a sort of theme for paintings that, above all, deal with problems related to painting itself. Decidedly pictorial (malerisch), the pieces coalesce in images even if only for an instant. The next moment, the color stands out, the translucency, the different textures: the very matter of a painting.
This constant oscillation is one of the most striking characteristics of Wagner’s work; something that may only be possible due to the scale of this works, which never reaches heroic proportions, limiting themselves to the small and medium-sized format and invariably — and even counter-intuitively — vertical. The disintegration of the image, coupled with the treatment given to a pictorial space of modest dimensions, conveys an idea of fragility to these paintings, situating them outside an historic facet of painting associated with a virtuous and incisive masculinity that does not allow for hesitation or doubt. Even in the different rhythms created by the expressive stroke — which could appear as signs of assertiveness —, a certain delicacy prevails which, at certain moments, reminds us of the vaporous landscapes of Guignard.
A recurring figure in many paintings in this show is the circle, which sometimes appears as the sun, sometimes as a moon on the horizon in works such as Miragem (Mirage, 2019) and Cachalote (Cachalot, 2019); other times as mysterious orange lanterns on the tree trunks of an enlarged landscape in Lanternas (Lanterns, 2019); and, also, on other occasions, as shiny dots placed slightly to the center of the composition, causing a complete destabilization of the pictorial space. Such is the case for Assa-peixe (Cabobanthus polysphaerus, 2019), a painting in tones of orange and green traversed from top to bottom by a section of color compressed by volumes that stretch towards the center from the top of the canvas. The resulting image could be understood as the aerial view of a dirt trail sided by hills, except for the inclusion of a green circle a little below the center of painting (sun/moon), almost forcing us to notice what we see as the horizon, even if it is the horizon of an indefinite landscape.
This vertigo effect of “losing ground” also happens in paintings such as Cambará (2019), which could be the view from above to the center of a crater, a horizon, the reflection of a sun in a lagoon seen from above this same crater. Beyond any type of representation, the circle seems to function in these works as some kind of device that serves to anchor the compositions, in so much as it creates a focal point amidst the layers of watery strokes that suggest a matter in flow, in a movement towards the exterior of the painting. That is, these circles end up creating some kind of center in the midst of a movement of erosion of the image predominant in these paintings.
Much like jellyfish, the set of works presented in this exhibition seems to possess a changing morphology; they are paintings in which the landscape formulates the abyss of space and the abyss of image. They pull away, thus, from a long lineage of Western landscape paintings that distinguishes nature from culture, the latter trying to domesticate or placate the former. Alexandre Wagner’s work, on the contrary, seems to want to incorporate the living and in constant mutation of natural organisms, rejecting narrative in favor of the reality of the painting matter, at the same time without resorting to the spiritual or traditional justifications traditionally associated with the origins of the Western abstract painting. Much like jellyfish, these are invertebrate paintings.
---
Kiki Mazzucchelli is an independent curator and critic. She is a regular contributor at Art Review (London), as well as an occasional contributor to other specialist publications including Art Forum (USA), Art Agenda (USA), Frieze (London), Mousse (Italy) and Terremoto (Mexico). She has curated the 'solo projects' section of Pinta Art Fair (London, 2013/4) and Arco (Madrid, 2015) and has been on the jury for Gasworks artist residencies for Argentinian (Erica Roberts) and Latin American (Shelagh Wakely) artists since 2015. Recent publications include the essay "The São Paulo Biennial and the Rise of Contemporary Brazilian Art" (in Contemporary Art Brazil, ed. Hossein Amirsadegui and Catherine Petitgas, London: Transglobe/ Thames & Hudson, 2012); a chapter on São Paulo's art scene in Art Cities of the Future - 21st Century Avant-Gardes (London: Phaidon, 2013) and a chapter on Brazilian art in Brazil: a celebration of contemporary Brazilian culture (London: Phaidon, 2014).
---
Água-Viva
Água-viva, primeira exposição de Alexandre Wagner na Galeria Marília Razuk, reúne um conjunto de pinturas que, em um primeiro momento, podem ser percebidas como ramificações contemporâneas de um dos gêneros mais reconhecidos dentro da tradição pictórica: a pintura de paisagem. Embora seja possível identificar uma unidade temática nas vistas de estradas de terra, horizontes e matas apresentadas aqui, essa leitura mais imediata situaria o trabalho dentro da chave de um certo romantismo atávico; a qual, em minha opinião, desvia o foco de outros aspectos que me parecem mais determinantes no trabalho.
O modo como a tinta é diluída e aplicada, as diferentes faturas e intensidades encontradas em um mesmo campo pictórico, a paleta cromática que joga com os contrastes entre luz e sombra; tudo isso atesta à importância dada pelo artista aquilo que diz respeito ao fazer da pintura, colocando em segundo plano um compromisso maior com o ilusionismo ou a representação. Em outras palavras, a paisagem funciona como uma espécie de mote para pinturas que, acima de tudo, tratam de problemas relativos à própria pintura. Decididamente pictóricos (malerisch), esses trabalhos coalescem em imagens como que por um breve instante; no momento seguinte, sobressai a cor, a translucidez, as diferentes texturas: a própria matéria da pintura.
Essa oscilação constante é uma das características mais marcantes da obra de Wagner; algo que talvez seja possível apenas devido a escala desses trabalhos, que nunca atinge proporções heroicas, limitando-se ao pequeno e ao médio formato e invariavelmente - e até mesmo contra-intuitivamente - verticais. O esfacelamento da imagem, aliado ao tratamento dado a um espaço pictórico de dimensões modestas, confere uma ideia de fragilidade à essas pinturas, situando-as fora de uma vertente histórica da pintura associada a uma masculinidade virtuosa e incisiva que não permite hesitação ou dúvida. Até mesmo nos diferentes ritmos criados pela pincelada expressiva - que poderiam aparecer como índices de assertividade-, prevalece uma certa delicadeza que, em alguns momentos, lembra a graciosidade das paisagens vaporosas de Guignard.
Uma figura recorrente em muitas das pinturas que integram a exposição é o círculo, que aparece ora como um sol ora como uma lua no horizonte em trabalhos como Miragem (2019) e Cachalote (2019); outras vezes como misteriosas lanternas alaranjadas nos troncos de uma paisagem alagada em Lanternas (2019); e, ainda, em outros momentos, como pontos luminosos levemente deslocados do centro da composição que acarretam uma completa desestabilização do espaço pictórico. Esse é o caso de Assa-peixe (2019), uma pintura em tons de laranja e verde atravessada de cima à baixo por uma área de cor comprimida por volumes que se estendem em direção ao centro desde os vértices da tela. A imagem produzida poderia ser entendida como a vista aérea de um caminho terra ladeado por morros, exceto pela inclusão de um círculo verde colocado um pouco abaixo do centro da pintura (sol / lua), que quase nos força a perceber o que vemos como um horizonte, ainda que horizonte de uma paisagem indefinida.
Esse efeito vertiginoso da “perda do chão” acontece também em pinturas como Cambará (2019), que poderia ser a vista de um céu desde o centro de uma cratera, um horizonte, o reflexo de um sol em uma lagoa observado de cima dessa mesma cratera. Para além de qualquer tipo de representação, a figura do círculo parece funcionar nesses trabalhos como uma espécie de dispositivo que serve para ancorar as composições, na medida em que cria um ponto focal em meio às camadas de pinceladas aquosas que sugerem uma matéria em fluxo, num movimento que vai em direção ao exterior do quadro. Ou seja, esses círculos acabam por criar uma espécie de centro em meio ao movimento de erosão da imagem que predomina nessas pinturas.
Como as águas vivas, o conjunto de obras apresentadas nessa exposição parece possuir uma morfologia cambiante; são pinturas em que a paisagem engendra o abismo do espaço e o abismo da imagem. Afastam-se, assim, de uma longa linhagem da pintura de paisagem ocidental que distingue a natureza da cultura, buscando domesticar ou apaziguar a primeira. O trabalho de Alexandre Wagner, pelo contrário, parece querer incorporar o aspecto vivo e em constante mutação dos organismos naturais, rejeitando conteúdos narrativos em favor da realidade da matéria da pintura, ao mesmo tempo sem recorrer às justificativas espirituais ou racionais tradicionalmente associadas às origens da pintura abstrata no ocidente. Como as águas-vivas, são pinturas invertebradas.
---
Kiki Mazzucchelli is an independent curator and critic. She is a regular contributor at Art Review (London), as well as an occasional contributor to other specialist publications including Art Forum (USA), Art Agenda (USA), Frieze (London), Mousse (Italy) and Terremoto (Mexico). She has curated the 'solo projects' section of Pinta Art Fair (London, 2013/4) and Arco (Madrid, 2015) and has been on the jury for Gasworks artist residencies for Argentinian (Erica Roberts) and Latin American (Shelagh Wakely) artists since 2015. Recent publications include the essay "The São Paulo Biennial and the Rise of Contemporary Brazilian Art" (in Contemporary Art Brazil, ed. Hossein Amirsadegui and Catherine Petitgas, London: Transglobe/ Thames & Hudson, 2012); a chapter on São Paulo's art scene in Art Cities of the Future - 21st Century Avant-Gardes (London: Phaidon, 2013) and a chapter on Brazilian art in Brazil: a celebration of contemporary Brazilian culture (London: Phaidon, 2014).
---